COMO SE MANIFESTA A MINHA FÉ QUANDO ESTOU NO PÁTIO DA CASA DE CAIFÁS?
Mt 26.69-75
Pedro se dirige até a casa de Caifás para acompanhar o trajeto do julgamento de Jesus. Jesus que já tinha sido interrogado por Anás, sumo sacerdote deposto por Roma (Jo 18.12.14) e foi levado a Caifás, atual sumo sacerdote (Mt 26.57), depois seria também julgado pelo Sinédrio. Na época quem constituía ou deportava o sumo sacerdote era Roma. Pedro fica no pátio, pois era num dos edifícios do pátio que ocorreria o julgamento de Jesus pelo sinédrio (suprema corte judaica composta de 71 líderes religiosos dos quais o sumo sacerdote era o líder), o qual reuniu testemunhas para o acusarem. O sinédrio não podia sentenciar ninguém à morte, mas poderia formular uma acusação e levá-la a Roma, no caso a Pilatos que era o procurador encarregar em Jerusalém para resolver as questões civis. O propósito era durante a noite sentenciar alguma acusação contra Jesus para leva-lo a Pilatos pela manhã.
Uma fogueira fora acesa no pátio e por causa do frio muitos se aproximaram dela e Pedro se encontrava naquela aglomeração. Por causa da luz sobre o rosto de Pedro uma criada o viu e o reconheceu. Certamente, ela deve ter visto Pedro nas ruas de Jerusalém na companhia de Jesus e o identificou como um de seus seguidores, mas Pedro nega a afirmativa da mulher. Depois ele se afasta e outra criada o identifica e pela segunda vez ele nega as colocações feitas a seus repeito. Num terceiro momento pessoas que ali estavam também o reconhecem e ele se nega a reconhecer mais uma vez que esteve com Jesus. Lucas acrescenta que Jesus nesta hora o olhou Pedro nos olhos (Lc. 22.61) e assim o texto diz que o galo cantou. Vale aqui ressaltar a tese sobre o “canto do galo” de que provavelmente se tratavam das trombetas romanas anunciando as vigílias da noite, acontecimento que também era chamado de “cantar do galo”. É interessante observar que há quem diga que esse detalhe do canto do galo não seja realmente de um galo convencional, ou seja, uma ave. Segundo determinados autores, os romanos dividiam o dia e a noite em períodos de 3 horas, durante a noite estes período eram anunciados por trombetas que poderia ser chamado “cantar do galo”. Então Jesus se referiu a este costume romano. Isso é interessante, pois o verbo traduzido por cantar (foneo) poderia ser traduzido por ressoar, sem falar que Pedro estava na casa de Caifás e esta ficava no centro de Jerusalém, e era proibido criar aves em Jerusalém porque elas sujavam as coisas santas como declara o Talmude judaico. Diante disto Pedro, certamente arrependido, chorou amargamente.
Pela harmonia dos Evangelhos que mencionam várias pessoas diferenciadas para as quais Pedro negou e pelo relato de Marcos que menciona que o galo cantaria 2 vezes, alguns estudiosos acreditam que Pedro negou a Jesus 6 vezes (ou até 9 vezes), contudo o mais importante aqui a ser considerado é o fato de saber que Pedro negou e a palavra de Jesus se cumpriu conforme anunciado, mas também fica evidente aqui que a verdadeira fé em Cristo deve sair da clausura das palavras superficiais e se destacar na esfera da realidade prática, o que não pôde ser visto nas posturas de Pedro naquela ocasião. Contudo, não podemos colocar Pedro no banco dos réus e achar que sua situação é exclusiva, pois muitos têm mostrado as mesmas atitudes de Pedro quando se deparam em determinados senários onde a sua fé precisa ser ouvida em alto e bom tom, eles recuam e se mostram completamente incapazes de assumir suas confissões e crenças. É aí que vemos um dos grandes desafios da fé cristã, quando ela precisa se mostra de forma consistente. Desta forma, a partir da situação de Pedro queria destacar três campos onde a fé se mostra mais real e verdadeiramente legítima, e é na "casa de Caifás" e não no "cenáculo" onde isso se manifesta de forma autêntica:
O CAMPO DA EXPOSIÇÃO – Mt 26.70
Pedro não foi àquele lugar para ficar do lado de Jesus e defendê-lo e dar a própria vida como ele tinha prometido (Mt 26.33-35). Ele não foi para desembainhar a espada como o fez quando cortou a orelha do servo do sumo sacerdote (Jo 18.10). Ele foi para ver o fim das coisas, tanto é que quando teve que expor a sua fé ele negou diante de todos e se fez de desentendido (Mt 26.70). Com Pedro aprendemos que a fé exige exposição ao mundo, e isso é mais desafiador quando estamos em cenários adversos e hostis. Eu creio com a minha exposição diante das pessoas, pois a fé não se esconde ela se expõe e nos expõe também. Significa está na casa de Caifás e continuar do lado de Jesus. Ter fé significa dizer ao mundo: eu creio e assumir o Evangelho que crer em nossa vida. É crer mesmo que os outros não creiam, defender mesmo que estejamos só e ainda se encontrar debaixo de ameaças por causa disso. É ficar do lado dos valores cristão diante de uma época tão conturbada como a nossa. É declarar sem se constranger pelo que cremos, e defender a todo custo o que afirmamos como verdade. É assumir nossa identidade e ter identificação com o Evangelho. A fé sempre terá um custo, e crer implica em pagar o preço dela.
O CAMPO DA EXISTÊNCIA – Mt 26.72
Pedro temeu por sua vida e por isso negou outra vez com juramento (Mt 26.72). É fato notar que a tradição da igreja relata que Pedro foi um dos mártires do cristianismo, e que por não se considerar digno de morrer a semelhança de Cristo, foi crucificado de cabeça para baixo, mas naquele momento certamente Pedro não pensou que o um dia morreria assim, pois ele temeu entregar-se até as últimas consequências diante daquela situação. Creio com a minha vida – a fé é prática, de modo que se preciso for entrego a minha própria existência pelo que creio. Crer significa ter atitudes de uma vida autêntica, a ponto de entregá-la considerando o que crer mais preciso do que a própria existência. Porque fazer fala mais alto do que dizer. É não ter vergonha do Evangelho e o Evangelho não ter vergonha de mim. É ter vida que faça a diferença – Sal e Luz do mundo. É ter obras não para ser salvo, mas para evidenciar a nossa salvação. Assumir posturas de uma verdadeira vida cristã significa muito mais do que trocar de religião, mais do que trocar a vela pela cruz, a missa pelo culto, o terreiro pelo templo. Significa mudar do pecado para a obediência, da imundícia para a pureza, da mentira para a verdade, das trevas para a luz, devotando sua vida integralmente a isto.
O CAMPO DA EXPERIÊNCIA – Mt 26.74
Pedro negou que conhecia a Jesus praguejando e jurando (Mt 26.74). Pedro negou todas as experiências que teve com Cristo, não assumiu, pois isso era um grande risco. O relato de Lucas menciona o olhar de Jesus sobre Pedro diante de sua última negação. Fico pensando o que dizia aquele olhar de Jesus, talvez este olhar estivesse dizendo a Pedro naquele momento: Pedro você não me conhece? E a tua sogra que eu curei? E quando você andou sobre as águas sob o meu poder? E sua confissão a respeito da minha natureza quando você declarou que Eu era o Cristo? E a transfiguração, quando você ouviu o Pai dizendo quem eu era? E os milagres que você mesmo fez no meu poder? Pedro você tem certeza que nunca me conheceu? Através daquela declaração Pedro estava negando tudo o que tinha vivido com o Senhor, “ele não o conhecia”, era aquela a negação das experiências vividas. Assim, também a fé significa ter experiências com o Senhor e fazer jus a elas. O crer leva-nos a experimentar quem é Jesus, pois a fé vivida. Significa Deus me conhecer e eu poder conhecê-lo e fazer desse conhecimento minha realidade de vida. Consiste em ter vida com Deus, de modo a não somente falar das experiências dos outros, mas eu mesma ter as minhas experiências com Cristo. É estar na casa de Caifás e continuar mantendo-se firme no que já provou de Cristo. Não é experiência com a religião ou denominação, mas com Deus. E assim também a fé prática nos ajuda a não jogar fora estas experiências, mas fazer delas sustentáculos para firmar nossa vida diante das situações mais adversas. Para podermos afirmar como Paulo: eu sei em quem tenho crido! (2 Tm 1.12)
CONCLUSÃO: Que tipo de prática de fé temos vivido diante da realidade que nos cerca? Como eu manifesto minha fé quando estou na casa de Caifás?
Profª Gilmara Diógenes